Vacina reduz em 44% a probabilidade de morte em pacientes que não conseguiam mais se beneficiar do tratamento padrão, nem de outros imunoterápicos. A substância também aumenta a sobrevida livre de doença
Em mais um avanço no tratamento contra o câncer, um estudo publicado ontem na revista Annals of Oncology descreve uma vacina que reduziu em 44% o risco de morte de pacientes com tumor de pulmão de células não pequenas em estágio avançado, ao longo de um ano. A pesquisa Atalante-1, da OSE Immunotherapeutics SA, é uma das últimas etapas para determinar a eficácia do imunizante antes de ser submetido às agências regulatórias.
A substância, Tedopi, se concentra em cinco alvos associados a tumores nas células T, com funções de defesa. A droga é projetada para ajudar o sistema imunológico a combater o câncer, especificamente em pacientes com um marcador genético chamado HLA-A2. Realizada com 219 pacientes, a pesquisa mostrou que a vacina é mais eficaz e segura que a quimioterapia em pessoas com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) avançado ou metastático, que não responderam bem a tratamentos anteriores.
Segundo os autores, os resultados indicam que a vacina melhora a sobrevivência e a qualidade de vida dos pacientes. Dos voluntários, 139 receberam o imunizante, enquanto 80 foram submetidos à quimioterapia convencional. Em um ano, a sobrevida média do primeiro grupo foi 3,6 meses superior ao segundo. Além disso, pessoas tratadas com o Tedopi passaram mais tempo em remissão que os demais (7,7 meses contra 4,6 meses).
PIONEIRISMO
Benjamin Besse, diretor de pesquisa clínica do Instituto Gustave Roussy e autor principal do ensaio, afirma que essa é a primeira vacina a aumentar a sobrevida em pessoas com câncer de pulmão que não tiveram sucesso em outras abordagens terapêuticas. "Este estudo, realizado em pacientes com resistência secundária à imunoterapia, comparou a monoterapia com Tedopi com a quimioterapias padrão. É claramente necessária uma avaliação mais aprofundada numa segunda linha de tratamento do CPNPC avançado e metastático, para potencialmente disponibilizar esta vacina contra a pacientes difíceis de tratar", destacou, em comunicado.
De acordo com Nicolas Poirier, diretor-executivo da OSE Immunotherapeutics, nos últimos anos, houve um avanço significativo no tratamento do câncer, especialmente com o desenvolvimento dos chamados anticorpos inibidores de checkpoints, a base da imunoterapia. Para ele, a abordagem já demonstrou amplamente sua eficácia, sendo que vacinas do tipo são prescritos para muitos tipos avançados de tumores metastáticos.
Ele ainda explica que os checkpoints imunológicos, expressos nas células T, bloqueiam a capacidade destrutiva das células do sistema de defesa. Com a vacina, os anticorpos freiam o mecanismo, e permitem que as estruturas voltem a funcionar. "Eles revolucionaram o tratamento do câncer por mais de 10 anos. No entanto, apesar desses avanços terapêuticos espetaculares, a maioria dos pacientes não responde aos inibidores de checkpoints imunológicos, o que demonstra uma resistência primária. Muitos daqueles que inicialmente respondem a esses tratamentos também sofrem recaídas após várias semanas de benefícios clínicos. Isso é chamado de resistência adquirida ou secundária", narra o autor principal do estudo.
As vacinas terapêuticas possuem a capacidade de ensinar o sistema imunológico a reconhecer especificamente os antígenos presentes nas células tumorais e a atacá-los. Elas também têm o potencial de tratar pacientes, mesmo se eles não tiverem respondido a outras terapias.
FORTALECIMENTO
Janice Farias, oncologista da Oncoclínicas Brasília, reforça que a vacina age como uma imunoterapia. "O uso dela não é para prevenir o câncer em indivíduos saudáveis. É um medicamento específico para pacientes com uma doença específica. O mecanismo de ação inclui induzir que o próprio sistema de defesa do paciente produza um tipo exato de célula contra o tumor, de uma forma geral fortalecerá o sistema imunológico do paciente para que o próprio possa combater o tumor", esclarece.
A especialista considera a descoberta uma grande evolução para a medicina, caso seu uso seja aprovado no futuro. "Acredito que seja um resultado promissor, porque hoje nós não temos uma evidência clara do que fazer após a falha da primeira linha de tratamento. Então, é uma droga que vem para uma indicação específica de segunda ou terceira linha. É algo que precisamos para melhorar os resultados dos pacientes", finaliza.
Conforme os cientistas, a próxima fase de estudo a ser realizada é a confirmatória, considerada crucial, que recrutará mais de 300 pacientes ao longo de dois anos de pesquisa, com o objetivo principal sendo a sobrevivência em um ano. Os resultados da nova etapa são esperados para o fim de 2026, com possibilidade de registro em 2027.
RISCO DE DIABETES
Uma pesquisa do Hospital Brigham and Women's, nos Estados Unidos, revela que pessoas notívagas, que costumam ficar acordadas à noite e dormir durante o dia, têm um risco 19% maior de desenvolver diabetes. Aqueles que dormem e acordam tarde também desenvolvem chances elevadas da doença, mostra o estudo, publicada ontem na revista Annals of Internal Medicine.
Para o trabalho, a equipe avaliou informações de 63.676 enfermeiras de um estudo anterior, o Nurses' Health Study II, coletadas entre 2009 e 2017, que incluíram a medida em que as participantes se percebiam como uma pessoa noturna ou matinal, além de informarem sobre seus hábitos. A equipe determinou a situação da doença a partir dos relatos e registros médicos.
Ao observar os dados, a equipe de cientistas descobriu que aproximadamente 11% das enfermeiras tinham um cronótipo — horário preferido de sono e vigília — "definitivamente noturno" e 35% relataram ser "definitivamente matutinas". As restantes foram classificadas como "intermediárias". O primeiro grupo foi associado a um risco aumentado de diabetes em 19%, considerando os fatores de estilo de vida. Entre aquelas com hábitos mais saudáveis, apenas 6% eram noturnas, contra 25% das com estilos menos benéficos à saúde.
João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que essa relação pode se dar por uma série de fatores. "Disrupção do ritmo circadiano, um relógio biológico interno que regula vários processos fisiológicos, incluindo o metabolismo da glicose, alterações no apetite e na alimentação, estresse e falta de sono e a falta de exercícios físicos. A qualidade do sono e o padrão de vigília afetam a saúde de várias maneiras."
"O problema reside no fato dos noturnos estarem sujeitos a maiores desafios temporais no cotidiano, quando comparados aos matutinos e intermediários", diz Mario Leocadio-Miguel, do Conselho de Cronobiologia da Associação Brasileira do Sono. "É por isso que acabam adotando estilos de vida pouco saudáveis, o que favorece o desenvolvimento de diabetes."
Fonte: Correio Braziliense